A guinada reacionária do governo do PSUV e os ataques à classe trabalhadora e ao Partido Comunista da Venezuela


Héctor Alejo Rodríguez, Secretário de Relações Internacionais do CC do PCV

Em 11 de agosto de 2023, a Câmara Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela proferiu uma sentença judicial ilegal que concretizou o plano do governo e do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) de tomar o Partido Comunista da Venezuela (PCV) de assalto.

Com essa intervenção judicial, o governo social-democrata executou uma nova modalidade de proibição de um Partido Comunista. Nesse caso, a apropriação da figura legal do Partido foi realizada através do uso arbitrário e autoritário dos poderes públicos, entregando-a a um grupo de pessoas alheias à militância comunista. Esses mercenários foram apresentados à opinião pública como supostas “bases descontentes” do PCV, por meio de uma grotesca operação de falsas bandeiras organizada, dirigida e financiada pelo governo de Nicolás Maduro.

Mas como chegamos a essa situação de ataque aberto por um governo que se diz progressista, e até mesmo anti-imperialista, contra o Partido Comunista da Venezuela e o movimento de trabalhadores conscientes de classe?

Antecedentes do “processo bolivariano”

Para entender a atual tendência reacionária das forças que lideram o governo na Venezuela e a guinada antipopular tomada pela gestão governamental, é essencial levar em conta a especificidade do processo de acumulação de capital na Venezuela [1] e as características da gestão do Estado capitalista durante o “processo de mudanças” iniciado pelo governo de Hugo Chávez em 1998, bem como a guinada que ocorreu com a ascensão de Nicolás Maduro em 2014.

Contrariamente ao curso normal da acumulação de capital mundial, que é regido pela eficiência na extração de mais-valia relativa ao conjunto da classe trabalhadora, na Venezuela o que determina o processo nacional de acumulação e, portanto, o movimento da economia, é a magnitude e as formas de apropriação da renda do petróleo.

Commodities como o petróleo são negociadas no mercado internacional a preços comerciais, que geralmente estão acima de seus preços de produção, gerando lucros extraordinários para seus produtores. Esse lucro extraordinário é chamado de renda da terra ou renda mineral, e pode ser de diferentes tipos, dependendo do nível de produtividade da terra ou dos depósitos: renda absoluta, renda diferencial I e II, ou simples renda de monopólio. [2]

A apropriação dessa renda extraordinária – que não vem dos lucros médios gerados pelo capital industrial petrolífero – é objeto de uma luta feroz entre os atores econômicos internos (capital privado não petrolífero). Esse capital privado não petrolífero, tanto nacional quanto estrangeiro, caracteriza-se por uma baixa composição orgânica, o que o torna dependente da apropriação da renda petrolífera para poder aumentar seu valor a taxas de lucro médias, compensando assim os altos custos gerados pelos baixos níveis de produtividade. Dado que o Estado venezuelano é o meio através do qual é definido o curso tomado pelo fluxo da renda em direção ao capital como um todo, a luta entre os diferentes partidos da burguesia e as potências estrangeiras pelo controle político do aparato estatal é uma característica preponderante de nossa sociedade.

A vitória de Hugo Chávez em 1998, ocorrida após mais de 20 anos de crise dessa forma parasitária de acumulação de capital, foi marcada por um período de contração aguda da renda petrolífera e a imposição de políticas neoliberais. Os governos da época aplicaram um ajuste agressivo e antipopular caracterizado por privatizações, desregulamentação do mercado de trabalho e liberalização de preços, entre outras medidas de choque.

O governo de Hugo Chávez propôs conter o avanço da agenda de privatização, que tinha como alvo essencial a indústria do petróleo e o desmantelamento do chamado “Estado Social”. No entanto, fez isso relançando a mesma base econômica rentista e dependente, apoiada por uma estratégia internacional de recuperação dos preços do petróleo. Nesse sentido, a administração de Chávez não tentou mudar a especificidade do processo de exploração capitalista na Venezuela, mas se apoiou nele para promover um programa de conteúdo “nacionalista e social”, visando fortalecer o papel do Estado na economia e garantir uma série de direitos sociais à população, após os desastrosos efeitos do vórtice neoliberal das décadas de 80 e 90. [3]

Não importa quantas conquistas a classe trabalhadora e o movimento popular obtiveram durante a fase expansiva da renda petrolífera sob a administração de Hugo Chávez, o fato de estarem estabelecidas sobre as frágeis bases de uma economia rentista deu a essas conquistas um caráter transitório e instável. [4] Além disso – como confirmam várias investigações – os grandes beneficiários desse período de bonança petrolífera do governo Chávez não foram precisamente a classe trabalhadora ou as camadas populares, mas a burguesia local e os monopólios transnacionais. Estima-se, na verdade, que cerca de 200 bilhões de dólares foram drenados da economia venezuelana pela burguesia nacional e estrangeira durante o período de 2003-2013. [5]

Em 2007, a crise financeira e a queda abrupta dos preços do petróleo evidenciaram o esgotamento do processo de acumulação de capital. No entanto, longe de considerar sua superação revolucionária, o governo de Chávez prolongou seu colapso por meio do aumento da dívida externa, mantendo a ficção de uma estabilidade frágil e crescimento econômico, já insustentáveis devido à diminuição da renda petrolífera, ao retrocesso técnico do aparato produtivo nacional e à expansão da dívida externa. [6]

A administração de Nicolás Maduro

A bolha frágil estourou durante a administração de Nicolás Maduro. A fase expansiva da renda petrolífera chegou ao fim, e com ela a forma de gestão “antineoliberal” do governo de Hugo Chávez. Iniciou-se um longo período de contração de receitas, mediado pela queda cíclica dos preços do petróleo e agravado pelo vencimento dos compromissos financeiros internacionais adquiridos pelo país.

Diante dessa queda nas receitas, o governo de Maduro aplicou progressivamente um ajuste econômico antipopular, com impacto prejudicial para a classe trabalhadora e o aparato produtivo nacional. Com a redução da receita, o governo decidiu priorizar o pagamento da dívida externa, direcionando cerca de 110 bilhões de dólares ao capital financeiro internacional durante o período de 2013 a 2017. [7] Para honrar esses compromissos, o governo sacrificou 60% das importações do país e aplicou cortes severos nos gastos sociais, investimentos em empresas estratégicas e infraestrutura pública.

A centralização da renda deficiente para o pagamento da dívida e as demandas do capital privado mais concentrado gerou uma escassez de moeda estrangeira no mercado interno, que destruiu a política de controle de câmbio, desencadeando uma espiral hiperinflacionária e a desvalorização da moeda que pulverizou o poder de compra dos salários reais dos trabalhadores, em benefício do lucro capitalista.

A contração das importações também resultou em escassez de bens de consumo essenciais e na proliferação de “mercados paralelos” de mercadorias como um mecanismo do setor comercial para contornar os controles de preços.

O governo de Maduro usou a narrativa de uma “guerra econômica” para justificar sua errática e antipopular política econômica, culpando fatores externos como causas da crise e, assim, encobrindo seu caráter. O Partido Comunista da Venezuela sempre expressou claramente sua crítica e oposição ao rumo tomado pela política econômica do governo, deixando claro sua posição sobre o caráter capitalista da crise e a necessidade de enfrentá-la com uma nova política econômica revolucionária. [8]

Durante o período de 2014 a 2017, o PCV, apesar das profundas divergências com a política econômica do governo, priorizou a tática de preservar a unidade das forças patrióticas e anti-imperialistas contra os planos desestabilizadores da direita pró-imperialista, que buscava forçar a mudança de regime fora da legalidade.

Contudo, as divergências com o governo chegaram a um ponto tal que, em 2018, a 14ª Conferência Nacional do PCV condicionou seu apoio à candidatura presidencial de Nicolás Maduro para as eleições daquele ano à assinatura de um acordo programático que assumia o compromisso de reverter a tendência antipopular de sua política econômica e promover uma série de medidas para proteger o direito da classe trabalhadora a salários dignos e estabilidade no trabalho. [9]

Maduro e a liderança do PSUV assinaram esse acordo programático, mas violaram seu conteúdo poucos meses após a vitória eleitoral. Em agosto de 2018, o governo anunciou seu “Programa de Recuperação Econômica, Crescimento e Prosperidade”, com o qual aprofundou o ajuste voltado para o desmantelamento dos direitos trabalhistas e a desregulamentação do mercado de trabalho. [10]

Com esse programa, o governo anunciou um dos maiores fraudes cometidos contra a classe trabalhadora venezuelana, abrindo caminho para um processo sistemático de desmantelamento dos direitos trabalhistas estabelecidos na Constituição e nas leis do país. Por meio de um anúncio fraudulento de aumento salarial, fixado em meio Petro [11] (equivalente a US$30 por mês), o governo nivelou ilegalmente os salários dos trabalhadores em todos os setores. Além disso, eliminou unilateralmente as convenções coletivas por meio do memorando-circular nº 2792, emitido pelo Ministério do Trabalho em outubro de 2018, anulando assim os efeitos do aumento salarial anunciado sobre as convenções coletivas em vigor.

Mas essa não foi a única fraude, pois, a longo prazo, o governo não cumpriu sua promessa de ancorar o aumento salarial ao preço da criptomoeda, transformando o aumento alegado em um vulgar congelamento dos salários em bolívares, que a própria movimentação inflacionária e a depreciação da moeda se encarregaram de pulverizar. 

O Governo Interino e a Radicalização das Sanções Externas

Em 2019, o imperialismo e os partidos da burguesia tradicional radicalizaram seu plano de máxima pressão e instalaram um “Governo Interino” ilegal que deu base às medidas coercitivas unilaterais do imperialismo contra a Venezuela. Impôs-se o congelamento de fundos públicos no exterior; a proibição do comércio com entidades públicas venezuelanas; e a perseguição a empresas estrangeiras que estabelecessem negócios com o país.

O impacto dessas sanções criminosas sobre a frágil situação econômica agravou a crise aos seus níveis mais críticos. O PIB contraiu-se 83% em comparação com 2013. [12]

As sanções ilegais acabaram por colapsar a indústria petrolífera, que já estava em declínio desde 2014. [13] A proibição de a empresa estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA) exportar combustíveis para seus mercados naturais nos Estados Unidos e na União Europeia, juntamente com as restrições à importação de insumos necessários para o funcionamento das operações da indústria, afetaram ainda mais sua receita e capacidade de produção.

A burguesia associada ao governo aproveitou esse difícil período de agressões externas para aumentar sua riqueza. O negócio consistia em participar da rede de empresas que prestavam serviços de triangulação internacional para a compra e venda de mercadorias, capturando lucros vultuosos pelo papel de mediadores no processo. No período mais difícil de dificuldades para as famílias trabalhadoras, a burguesia parasitária nacional aproveitou a situação para aumentar sua fortuna.

As consequências da crise aguda aprofundada pelas sanções criminosas recaíram inteiramente sobre os ombros da classe trabalhadora e das camadas populares. A migração forçada de trabalhadores para o exterior se multiplicou devido aos salários precários, à redução das ofertas de emprego e ao desespero.

Nessa situação complexa, o governo de Nicolás Maduro, ao falar em nome da Revolução, do chamado "socialismo do século XXI", acaba por reafirmar seu caráter social-democrata, formulando uma estratégia de pacto das elites como saída para a crise e o isolamento internacional.

O Pacto entre as Elites e a Política de Liberalização Econômica

A virada definitiva na política do governo em uma direção abertamente antioperária ocorreu em 2020. Por meio de um pacto com o setor empresarial e os partidos da direita tradicional, o governo do PSUV propôs superar a estagnação econômica, estabelecendo um novo acordo de governança e buscando o levantamento progressivo das sanções externas.

A solução para a crise econômica e política do país, baseada no pacto da burguesia, está sendo desenvolvida sob a mesma receita dos governos neoliberais: políticas voltadas a minimizar o impacto da crise e das sanções sobre as empresas capitalistas; medidas de incentivo e promoção de investimentos privados nacionais e estrangeiros; liberalização de preços; privatização de empresas públicas; desmantelamento dos gastos sociais; congelamento de salários e desregulação do mercado de trabalho, como os principais incentivos ao capital privado.

A recuperação econômica envolve impor os sacrifícios mais duros à classe trabalhadora e aos setores populares para garantir a estabilidade das empresas privadas. Como os próprios porta-vozes do governo descrevem, trata-se de estender um “tapete vermelho” [14] aos empresários para que se sintam motivados a investir.

Uma das primeiras medidas tomadas pelo governo foi a aprovação de uma lei ilegal, cinicamente chamada de "Lei Antibloqueio", que foi apresentada ao país como uma ferramenta fundamental para superar a política de sanções. No entanto, devido ao seu conteúdo e aplicação, esse instrumento foi a base legal sobre a qual o governo se apoiou para impor seu programa neoliberal fora da Constituição e das leis. [15]

Essa lei não só concede ao Poder Executivo (Presidência da República) o poder de desconsiderar artigos da Constituição, mas também de agir em segredo e sem prestar contas de suas ações. É sob essas condições que os negócios de exploração mineradora estão sendo desenvolvidos; as concessões com transnacionais para a exploração de petróleo e gás; os privilégios ilegais concedidos ao setor privado e os acordos econômicos secretos com o governo dos Estados Unidos.

Política Antioperária, Pilar do Ajuste Econômico

Mas, se as receitas do petróleo continuam insuficientes para sustentar a normal valorização do capital de baixa composição orgânica que opera na economia nacional, como pode ser garantida a sua rentabilidade? Não é que as receitas do petróleo tenham deixado de desempenhar um papel importante no processo de valorização do capital privado. A política de supervalorização da moeda nacional, sustentada com a injeção semanal de centenas de milhões de dólares na taxa de câmbio, [16] as compras públicas e as isenções fiscais e tributárias são mecanismos que revelam a transferência de riqueza pública para o setor privado.

No entanto, a magnitude ainda insuficiente representada pela receita do petróleo obriga os capitalistas a recorrerem a outras fontes de renda extraordinária para fazer o contrapeso. O mecanismo compensatório mais relevante para os capitalistas hoje são as condições de superexploração da força de trabalho. A venda da força de trabalho bem abaixo de seu valor se tornou um meio essencial para garantir o lucro das empresas capitalistas na Venezuela.

O governo de Nicolás Maduro, assim, impõe uma política de destruição dos direitos trabalhistas fora das disposições da Constituição venezuelana e das leis trabalhistas. A maneira mais criminosa de reduzir os custos trabalhistas ao máximo para o benefício das empresas e seus lucros foi a política de bônus salariais. O direito estabelecido no Artigo 91 da Constituição da República Bolivariana da Venezuela, que exige que o Estado fixe um salário mínimo legal de acordo com a cesta básica de alimentos, foi eliminado de fato, e no seu lugar foi imposta uma política de congelamento salarial a um valor irrisório fixado em moeda local — corroído pelos efeitos da inflação e da depreciação — e compensado com o pagamento de bônus que não têm impacto nos salários. O impacto imediato dessa política é a desassalarização da renda dos trabalhadores e a desregulação do mercado de trabalho, para que as empresas privadas possam determinar unilateralmente a renda a ser paga aos trabalhadores em forma de bônus. [17]

Ao desassalariar as rendas, o governo também elimina o direito dos trabalhadores a usufruírem de benefícios sociais, pagamento de férias, lucros e poupanças. As responsabilidades trabalhistas das empresas são reduzidas ao mínimo, ampliando suas margens de lucro e condenando a classe trabalhadora a rendas de subsistência.

Os trabalhadores do setor público foram os mais afetados, pois não só recebem bônus abaixo dos pagos no setor privado, como o governo também impôs um corte unilateral e ilegal nos bônus que recebem de acordo com seus acordos coletivos, por meio da Oficina Nacional de Orçamento (Onapre).

O roubo sistemático e criminoso da classe trabalhadora é a espinha dorsal sobre a qual o lucro capitalista é sustentado, e a tão propalada "recuperação econômica" que o governo social-democrata de Nicolás Maduro tanto exalta e que é aplaudida pela principal câmara empresarial do país, a Fedecámaras. A prova mais convincente desse pacto antioperário é a decisão da liderança do governo de não aumentar os salários, embora a economia tenha registrado um crescimento de 17% em relação a 2021, segundo dados do Banco Central da Venezuela (BCV). [18] A partir de fevereiro de 2024, terão se passado 23 meses de congelamento salarial, com uma inflação acumulada superior a 300%.

A resposta do governo de Nicolás Maduro às mobilizações massivas dos trabalhadores do setor público, professores e médicos por aumentos salariais tem sido repressão, perseguição, processo judicial e prisão.

Além da ação repressiva, o governo impõe restrições às liberdades sindicais e dificulta a realização de eleições para renovar a liderança dos sindicatos, especialmente aqueles que não estão alinhados com seus interesses. O objetivo dessa manobra é impedir que os trabalhadores tenham sindicatos legalizados e, assim, retardar o processo de discussão dos acordos coletivos.

Certamente, as sanções imperialistas não atingiram seu objetivo de provocar uma mudança de governo, mas desempenharam um papel importante na mudança da política econômica em uma direção favorável aos interesses do imperialismo e do empresariado local. No final das contas, o governo Maduro e a liderança do PSUV acabaram por atender às demandas do grande capital. Agora, tentam inutilmente esconder sua reviravolta e o processo de conciliação com o imperialismo e os partidos da direita com um suposto diálogo de "unidade nacional", em que a classe trabalhadora e os setores populares são os grandes sacrificados.

As lutas da classe trabalhadora e os partidos revolucionários

Claro, a guinada reacionária do governo de Nicolás Maduro trouxe mudanças no mapa de seus aliados e inimigos. Os interesses da classe trabalhadora, do campesinato e dos setores populares passaram a representar um obstáculo para o plano de liberalização econômica orquestrado entre o governo e as federações empresariais reunidas no chamado "grande consenso nacional".

Ainda assim, a burguesia se esforça para manter a retórica de falsa polarização entre o PSUV, de um lado, e os partidos de direita subordinados aos interesses dos Estados Unidos, do outro. A realidade é que a unidade da burguesia se consolida e avança com a implementação deste ajuste econômico antipopular.

A estratégia de falsa polarização busca manter os trabalhadores enganados e subordinados a esses dois blocos hegemônicos, impedindo qualquer processo que gere um movimento político autônomo e independente da classe trabalhadora, que possa emergir como alternativa aos dois polos do pacto das elites.

No entanto, existe uma situação que torna mais complexas e difíceis as condições de luta política da classe trabalhadora. A liderança do PSUV exerce um controle onipotente sobre a totalidade dos Poderes Públicos do Estado; o que lhe permite executar o ajuste neoliberal sem resistência e com uma capacidade repressiva profunda. Através do exercício autoritário desse poder, o PSUV ataca todas as formas de agrupamento da classe trabalhadora na luta pelos seus interesses econômicos e políticos.

No campo da luta por reivindicações, os ataques contra as liberdades sindicais e o direito dos trabalhadores de protestar por salários dignos e outras demandas trabalhistas estão se intensificando; os casos de trabalhadores processados por lutarem pelos seus direitos aumentam e os obstáculos institucionais ao exercício do direito de organização sindical se multiplicam.

As brutais práticas repressivas exercidas pelas forças de segurança do governo e pelo sistema de justiça venezuelano lembram os piores anos de perseguição contra as lutas dos trabalhadores durante os governos reacionários da direita tradicional. Pisoteando o legítimo direito de exercer o direito de protestar, os órgãos repressivos aplicam práticas que violam direitos humanos fundamentais, como o sequestro de ativistas sindicais. Desrespeitando o direito dos trabalhadores detidos ao devido processo legal e às garantias constitucionais ao exercício da defesa, os órgãos repressivos mantêm líderes sindicais totalmente afastados de suas famílias por semanas, sem acesso a advogados e sem informações sobre o centro de detenção onde estão sendo mantidos. [19]

Essa é uma estratégia de terror aplicada contra a liderança sindical classista, com o objetivo de semear o medo entre as massas trabalhadoras e desarticular as lutas dos trabalhadores no país por salários dignos e pela restauração dos direitos trabalhistas retirados. Da mesma forma, a apresentação de falsas provas contra esses trabalhadores se tornou recorrente, com o intuito de incriminá-los em atos criminosos que não cometeram, para justificar as prisões ilegais e a violação dos direitos humanos por parte das forças de segurança e do sistema judiciário.

Politicamente, essa ofensiva visa minar as liberdades de associação política e os direitos democráticos da classe trabalhadora. Para isso, utilizam o poder do Estado para impor um cerco e bloqueio comunicacional ao Partido Comunista da Venezuela (PCV), ao mesmo tempo em que promovem campanhas de difamação contra ele e qualquer outra força que identifiquem como adversária.

Em processos eleitorais passados, como nas eleições regionais de 2021, desqualificaram ilegalmente as candidaturas de forças de esquerda, tirando o direito dos trabalhadores de apresentar candidatos independentes. Não é por acaso que as candidaturas do PCV e seus aliados foram as que mais sofreram desqualificações, e não as candidaturas dos partidos da direita tradicional. [20]

Finalmente, a maneira mais arbitrária que usaram para impedir o exercício dos direitos e liberdades democráticos da classe trabalhadora e de seus partidos foi a intervenção em suas organizações políticas.

A intervenção judicial no PCV

A intervenção no Partido Comunista da Venezuela (PCV) foi um dos objetivos mais importantes do governo para bloquear qualquer possibilidade de os trabalhadores e as forças revolucionárias apresentarem candidaturas independentes nas próximas eleições presidenciais previstas para este ano. Com essa ação, o PSUV acredita que pode evitar o surgimento de uma força política alternativa ao pacto da burguesia.

A maneira como a intervenção judicial foi executada é mais uma prova do exercício autoritário do poder estatal pela liderança do governo. [21] A Sentença nº 1.160 emitida pela Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça não está de acordo com a lei e é uma violação flagrante da ordem constitucional e do Estado de Direito. O PCV foi prejudicado judicialmente em um processo do qual não foi oficialmente notificado; não lhe foi concedido o direito à defesa; e utilizou-se uma acusação sem provas como base. [22]

Esse precedente de intervenção judicial e proibição do PCV marca uma referência muito perigosa para todos os Partidos Comunistas e Operários do mundo. O governo autoritário usou a usurpação da figura jurídica do PCV como meio para executar a proibição do partido e suprimir o direito democrático dos comunistas de se organizarem e lutarem de forma independente.

A estratégia empregada para atacar o PCV demonstra o alto grau de decomposição moral e servilismo do governo do PSUV em relação aos interesses da burguesia e do imperialismo. Nada seria mais proveitoso para as forças do capital, que varrem os direitos dos trabalhadores e impõem um programa de desregulamentação econômica, do que proibir a ação política do Partido Comunista da Venezuela. A parte mais aberrante dessa estratégia foi que entregaram a sigla da organização a um grupo de mercenários alheios ao nosso Partido, para vender a imagem de um suposto apoio do PCV ao pacto da burguesia.

Os desafios à frente para a classe trabalhadora e o Partido Comunista da Venezuela são bastante complexos. Na Venezuela, reina uma forma de governo que personifica os traços mais brutais da ditadura do capital. Neste momento, os trabalhadores venezuelanos não estão apenas lutando para recuperar seus direitos trabalhistas violados, mas também devem se mobilizar para exigir a restauração de seu direito à organização sindical, à existência de partidos políticos legais e à recuperação de direitos democráticos elementares.

Isso devem fazer confrontando um governo que se autodenomina "anti-imperialista" e "socialista"; e que usa seu passado para manipular as forças comunistas e revolucionárias do mundo, evitando assim qualquer forma de solidariedade com as lutas dos trabalhadores e do Partido Comunista da Venezuela.

Assim como a classe trabalhadora venezuelana deve superar a manipulação ideológica com a qual tentam condená-la a ser subordinada a dois blocos burgueses polarizados e a impedir seu surgimento como força classista independente, o mesmo deve fazer o Movimento Comunista e Operário Internacional: derrubar as barreiras que a nova social-democracia pretende erguer ao exercício revolucionário do internacionalismo proletário. A classe trabalhadora venezuelana precisa da solidariedade dos trabalhadores do mundo para poder lutar contra o poder autoritário do capital personificado por um governo social-democrata que retira seus direitos econômicos e políticos.


[1] Ver a Linha Política do XVI Congresso Nacional do PCV, Seção VII, “A crise capitalista na Venezuela”. Disponível em: https://prensapcv.files.wordpress.com/2022/10/linea-politica-1.pdf.

[2] Ver Karl Marx, O Capital, Vol. 3.

[3] Ver a Linha Política do XIV Congresso do PCV, Seção II, “Caracterização do processo político venezuelano atual”. Disponível em: https://issuu.com/tribuna_popular/docs/encartado_linea_politica_finaltp_29.

[4] Ver Tribuna Popular N° 3036, "10 anos sem Hugo Chávez: uma crítica necessária para avançar". Disponível em: https://issuu.com/tribuna_popular/docs/tp_3036.

[5] Ver Tribuna Popular N° 228, "La fuga de capitales de la burguesía venezolana". Disponível em: https://prensapcv.wordpress.com/2013/11/06/la-fuga-de-capitales-de-la-burguesia-en-venezuela/

[6] Ver a Linha Política do XVI Congresso Nacional do PCV, "Antecedentes de la crisis venezolana", p.17. Disponível em: https://prensapcv.files.wordpress.com/2022/10/linea-politica-1.pdf.

[7] Ver TeleSur News. "Maduro: Venezuela paga cada centavo de sua dívida externa”. Disponível em: https://www.telesurtv.net/news/Presidente-de-Venezuela-Hemos-pagado-nuestra-deuda-externa-hasta-el-ultimo-centavo-20171102-0067.html.

[8] Ver a Linha Política do XV Congresso Nacional do PCV, 2017, “Sobre a economia nacional”. Disponível em: https://issuu.com/tribuna_popular/docs/tribuna_xv_congreso.

[9] Ver o Acordo Unitário PSUV-PCV para enfrentar a crise do capitalismo dependente e rentista na Venezuela com ações políticas e socioeconômicas anti-imperialistas, patrióticas e populares. Disponível em: https://prensapcv.wordpress.com/2018/02/28/acuerdo-unitario-marco-psuv-pcv/.

[10] Ver Tribuna Popular N° 3037. "Uma década de relações entre o PCV e Nicolás Maduro”. Disponível em: https://issuu.com/tribuna_popular/docs/tp_3037/.

[11] O Petro é uma criptomoeda criada em 2017 para mascarar o processo de dolarização da economia. O governo colocou um preço unilateral da criptomoeda de US$ 60,00 por unidade. Finalmente, o Petro foi eliminado em janeiro de 2024.

[12] Ver Linha Política do XVI Congresso Nacional do PCV. “Os efeitos das sanções imperialistas criminosas”, p. 24. Disponível em: https://prensapcv.files.wordpress.com/2022/10/linea-politica-1.pdf.

[13] Ver Carlos Mendoza Pottellá: "A Venezuela petroleira que conhecemos nos últimos anos acabou”. Disponível em: https://ecopoliticavenezuela.org/2020/04/16/entrevista-con-carlos-mendoza-pottella-la-venezuela-petrolera-que-conocimos-en-los-ultimos-100-anos-se-acabo/.

[14] Ver BancaYNegocios. "A Assembleia Nacional avalia reverter expropriações quando o setor privado requerer.” Disponível em: https://www.bancaynegocios.com/an-evalua-revertir-expropiaciones-cuando-el-sector-privado-lo-requiera/

[15] Ver "Pronunciamento do PCV sobre o projeto de Lei Antibloqueio”. Disponível em: https://prensapcv.wordpress.com/2020/10/06/pronunciamiento-del-pcv-sobre-el-proyecto-de-ley-antibloqueo/

[16] Entre 2020 e 2023, o governo transferiu mais de 10 bilhões de dólares para o setor privado por meio desse mecanismo.

[17] Ver Tribuna Popular. “La Gaceta N° 6.746 es el acta de defunción del salario mínimo". Disponível em: https://prensapcv.wordpress.com/2023/05/16/video-pcv-la-gaceta-n-o-6-746-es-el-acta-de-defuncion-del-salario-minimo/

[18] Ver BCV "O PIB da economia venezuelana cresceu 17,73% no período de janeiro a setembro de 2022”. Disponível em: https://www.bcv.org.ve/notas-de-prensa/el-pib-de-la-economia-venezolana-crecio-1773-en-el-periodo-enero-septiembre-de-2022

[19] Ver “PCV denuncia desaparecimento de dirigentes sindicais detidos depois de protestos em Sidor”. Disponível em: https://prensapcv.wordpress.com/2023/06/20/pcv-denuncia-desaparicion-de-dirigentes-sindicales-detenidos-tras-protestas-en-sidor/

[20] Ver "Relatório sobre a violação de direitos políticos e eleitorais do PCV, de candidatos e cidadãos”. Disponível em: https://prensapcv.wordpress.com/2021/11/12/pcv-presenta-a-delegacion-de-la-union-europea-un-informe-de-las-violaciones-a-sus-derechos-politicos/

[21] Ver Tribuna Popular N° 3.040. "Assalto judicial contra o PCV”. Disponível em: https://prensapcv.wordpress.com/2023/07/21/22007/

[22] Ver "Dossiê: Fraude Judicial contra o PCV".